Na foto da década de 1930 acima, habitantes e Pastores
de Ovelhas da região de Landes, sudoeste da França, em suas habituais
“pernas-de-pau”.
Essa foi a forma com que solucionaram os problemas de
locomoção por mais de cem anos, desde o início do século XIX, para poderem
‘caminhar’ e criar suas ovelhas em uma região plana, mas totalmente pantanosa e
sem estradas, a única ‘opção’ que o ‘Governo’ da época ofereceu para aquela
população na época.
Nas últimas semanas o mundo está de olho em
Brumadinho, chorando junto com as vítimas remanescentes da tragédia provocada
pela ‘força da natureza imbecil de certos indivíduos’.
Fotos do vídeo da reportagem do “New York Times™”
A julgar pelas ‘explicações’ dos responsáveis e
dirigentes da Mineradora Vale (e aqui deixo ao critério do leitor o adjetivo
que irá utilizar para essa empresa e seus dirigentes), o problema foi a
‘sirene’ que ficou “engolfada” e não tocou, e ainda estão procurando saber o
motivo! Quantas tragédias mais deverão ocorrer no Brasil para que apareça algum
responsável e faça a sua “mea culpa”?
Foto da Área em Junho de 2018
Foto da Área em Janeiro de 2019
Foto do dia da tragédia em Brumadinho
Em
toda a história da humanidade, até a idade moderna, as comunidades tinham
somente uma opção para viverem e se adaptar ao seu habitat, ou seja, tinham que
garantir por si mesmo sua segurança, pois não havia ainda a ‘proteção’ do
Estado aos seus cidadãos como conhecemos hoje, vez que o ‘poder público’
existia somente para o bem estar de seus ‘Reis e Rainhas’, Imperadores e
Imperatrizes.
Com
toda a alta tecnologia de hoje, é inadmissível aceitar um desleixo tão grande
com a vida alheia por parte do Poder público como no caso de Brumadinho, pois o
que se viu ali foi isso, um retrocesso à idade média ou bem antes disso, pois deixaram
que cada um dos moradores dali cuidasse da sua própria ‘segurança’ e de sua
própria vida! Repetiram “Chernobyl”!
A
culpa principal é da ‘Vale’, sem dúvidas, mas porque as comunidades vão se
formando em volta dessas barragens e não recebem uma orientação sequer, nem da
companhia, nem do poder público?
Em
uma reportagem sobre a tragédia, um casal de idosos disse que comprou um
terreno e construiu sua casa ali na região há alguns anos para passar o resto
de suas vidas em um lugar ‘calmo e arejado”, e nunca lhe disseram que ali
existia uma barragem dessas proporções, e
escaparam por ‘milagre’ como dizem, em um daqueles acasos que ninguém consegue
explicar como conseguiram fugir daquela avalanche (vídeo da reportagem no link
abaixo).
Narro
aqui uma pequena ‘fábula’ do início do século XIX (uma história real mas que
pode ser chamada de ‘fábula’), somente para ilustrar o grau de responsabilidade
e de administração de nossas ‘autoridades’ aqui no Brasil, ou seja, nenhum:
Na região de Landes,
no sudoeste da França, onde hoje tem o badalado balneário de Biaritz, em uma
área que vai até a fronteira com Bordeaux, diz a história que Napoleão, por
sugestão da Imperatriz Josephine, decretou que ali seria o local onde seriam
criadas ovelhas, uma das principais fontes de alimento como a carne e o leite, e
do vestuário confeccionado com a lã daqueles animais para suportar o rigoroso
inverno Europeu
Biaritz, na região de Landes
atualmente
E para lá Napoleão ‘despejou’ uma comunidade de
famílias de pastores e suas ovelhas, sem sequer saber como era a região,
somente com a informação de que era uma vasta área de planície desabitada
completamente, e ali então poderia desenvolver economicamente aquela parte do
país, pois como diz o Professor Tatalo, um gaúcho grande amigo meu, “ovelha não é pra mato”. Aquela região
com centenas de quilômetros quadrado de planície, e sem um mato em volta, seria
o local ideal para a criação daqueles animais.
Napoleão e Josephine foto do
final do século XVIII
Assim,
no começo de 1800, sem qualquer estudo e conhecimento das condições do solo daquela
região desabitada, os pastores e suas famílias começaram a chegar e a montar
suas casas, quando perceberam que o terreno era totalmente pantanoso, uma
planície coberta de arbustos baixos e praticamente impossível de caminhar, pois
o terreno todo era alagado e barrento fazendo suas pernas afundarem até o meio
das canelas.
Naquela
época o “poder público não existia para “informar e ajudar” aquelas pessoas,
que tiveram que permanecer lá com suas ovelhas e buscar uma forma de sobreviver
a todas as intempéries do gelado inverno Francês, em uma área de centenas de milhares
de metros quadrados, habitada basicamente por matilhas de lobos, totalmente
pantanosa o ano inteiro e sem qualquer tipo de estrutura de acesso com outras
regiões do país, e assim a comunidade teve que encontrar a sua própria solução
de sobrevivência naquela parte inóspita do país.
A
história não revela quem teve pela primeira vez a idéia de andar em “pernas de
pau” para poder caminhar acima do terreno pantanoso, entretanto, essa prática
mostrou-se tão eficiente para os Pastores e toda a comunidade, que por mais de
cem anos, até meados do século passado, os residentes daquela região andaram em
cima de “pernas de pau”.
Óleo sobre tela de Pastores da
região de Landes em meados do século XIX
Com
o passar dos anos, as comunidades inteiras andavam em suas “pernas-de-pau”, e
perceberam que adquiriram muitas vantagens em relação ao seus antigos meios de
locomoção com suas próprias pernas, pois o seu campo de visão tinha aumentado
significativamente, e com isso podiam tomar conta de uma área muito maior com
suas ovelhas. As crianças após os seis ou sete anos já começavam a praticar a
andar nas usuais “pernas-de-pau”.
Ademais,
os seus passos também aumentaram permitindo-lhes que cobrissem distâncias muito
superiores em menor tempo. Mais importante ainda, permitiu-lhes atravessar o
solo macio e pantanoso que as planícies se tornavam após a menor chuva. De
fato, praticamente toda a população de Landes andava em “pernas-de-pau” para
evitar o solo encharcado durante o ano inteiro. Este sistema de locomoção era
tão eficaz que os homens em pernas de pau podiam acompanhar os cavalos em trote
completo.
Pastor com suas ovelhas, foto
século XIX
Os habitantes locais chamavam esse modo único de caminhar
de "tchangues", que
significa "pernas grandes". As “pernas-de-pau” eram feitas de madeira
e tinham cerca de quatro a cinco metros de altura, e ainda eram confeccionadas com
uma ‘ombreira’ e cinta para apoiar o pé.
A parte superior da madeira é achatada e repousa
contra a perna, onde é segurada por uma cinta forte. A parte inferior que
repousa sobre a terra era aumentada e às vezes era reforçada com um osso de
ovelha. O Pastor carregava um bastão que ele usava como ponto de apoio para
subir nas pernas de pau, e também como um banquinho para visualizar seus
rebanhos.
As “pernas-de-pau” eram tão estáveis e “confortáveis”
que o Pastor, empoleirado no assento alto, costumava tricotar para passar o
tempo. Habituados desde a infância por esse tipo de exercício, muitos pastores
desenvolveram habilidades extraordinárias de acrobacias e manobras, podendo
alguns pegar uma pedrinha do chão, arrancar uma flor, simular uma queda e se recuperar
rapidamente e ainda correr!
Pastores “descansando” em suas
“pernas-de-pau”, foto de 1938.
Crianças praticando andar em
“pernas-de-pau”
Com o desenvolvimento da região, todos andavam em
“pernas-de-pau” até meados do século XX, e a região chegou a ter cerca de um
milhão de ovelhas em meados do século XIX, o maior rebanho do mundo, provando
uma vez mais, que o homem tem uma capacidade interminável de adaptação e
superação.
Em
1808, quando a imperatriz Josephine
viajou para a região para se encontrar com Napoleão I, o município enviou uma
escolta de jovens caminhantes de “pernas-de-pau” para acompanhar e divertir as
damas da corte. As senhoras se deleitaram em fazer os andarilhos de
“pernas-de-pau” correrem, ou jogavam moedas no chão para que fossem juntadas, e
às vezes resultando em quedas.
Corridas
de “pernas-de-pau” eram também uma parte essencial de qualquer festividade nas
aldeias locais. Os jovens competiam entre si em velocidade e agilidade, e até
as jovens, tão hábeis quanto os homens, participavam das competições.
Jornal Parisiense do início século XX
Pintura óleo sobre tela do século XIX
Pintura óleo sobre tela século XIX
Atualmente região de Landes, no sudoeste da França, na
fronteira com o Golfo da Gascogne, é
coberta por um grande pinhal. Na verdade, é a maior floresta de
"pinheiro-bravo" da Europa - o pinheiro-bravo é uma espécie nativa da
região do Mediterrâneo, mas há cem anos a paisagem parecia muito diferente. Em
vez de florestas, havia um grande nível de planície que se estendia de
horizonte a horizonte.
Segundo
registros históricos, uma notável demonstração desse tipo de locomoção foi
feita por Sylvain Dornon em 1891,
quando ele caminhou de Paris a Moscou - uma distância de mais de 2.800 km - em “pernas-de-pau”,
em apenas 58 dias, o que certamente o colocaria no primeiro posto do “Guinness” se existisse naquela época.
As
caminhadas através de “pernas-de-pau” como forma de sobrevivência, desapareceram
gradualmente em Landes a partir de meados do século XX, com o desenvolvimento
sistemático de grandes plantações de pinus
que transformaram a paisagem e a economia local, por obra dos governos locais
que começaram a urbanizar a região, vez que, por mais que seus habitantes
tivessem desenvolvido uma espetacular forma de sobrevivência, já era tempo do
Estado amenizar as agruras uma população inteira ter que viver daquela forma.
Floresta de Pinus hoje em Landes, França
Floresta de Pinus atualmente em
Landes, a maior plantação dessa árvore em toda a Europa
O
desaparecimento dos Pastores por causa da expansão das plantações de pinheiros
provocou o fim do pastoreio das ovelhas, e com isso a imagem icônica dos
pastores sobre “pernas-de-pau” desapareceu também, ficando até hoje no
repertório folclórico da região, que anualmente faz um grande festival de
caminhadas e danças em “pernas-de-pau”.
A
região toda sofreu a interferência e o suporte do Estado francês, e hoje é uma
das regiões francesas de grande interesse turístico, além de ter uma forte
economia industrial, e com isso sua população passou a viver normalmente.
Festival de dança em "Pernas-de-Pau" em Landes
Biaritz no Golfo de Gascogne
Destaque da região de Landes em
vermelho no mapa
A
pequena “fábula” dos andarilhos franceses em “pernas-de-pau”, a meu ver,
sintetiza a maneira que ainda hoje nossos governantes utilizam para gerir seus
governos, e no caso de Brumadinho, ainda a meu ver, assemelha-se em gênero,
número e grau ao ato de Napoleão, que “entregou” aquela região para uma
comunidade de pastores de Ovelhas, e ali os deixou a sua própria sorte, e por
aqui, só faltou dizerem: “aprendam a andar e correr com “pernas-de-pau” se
algum dia quiserem escapar dessas quedas de barragens!
Em
Brumadinho, a pretexto de gerar economia a uma região, os ‘comandantes’ simplesmente
aceitaram as regras de uma empresa multibilionária, e sem qualquer controle e
regras de prevenção, “instalaram” os seus ‘comandados’ da região no “olho do
furacão”, e sem “pernas-de-pau’!
A
diferença entre Landes e Brumadinho, Napoleão e os ‘comandantes’ atuais, é de
200 anos! Só isso, simples assim, pois mais de duzentos anos após, os
‘comandantes’ daqui também deixaram sua população à mercê de sua própria sorte!
Talvez
se os ‘comandantes’ da Vale e os governantes locais se interarem dessa
‘fábula’, aconselhem aos moradores das áreas de outras barragens a iniciar o
aprendizado de caminhadas e corridas em “pernas-de-pau”, e aí não haverá
necessidade de instalação de sirenes modernas!
Há
menos de quatro anos uma tragédia com essas proporções já aconteceu na
localidade de Mariana, nessa mesma região, com a culpa da mesma empresa, e da
mesma forma puseram a culpa nas “forças da natureza”, e aqui repito: tudo isso
ocorreu pela “força da natureza estúpida e da ganância” dos dirigentes locais,
políticos, administradores públicos e a malfadada empresa mineradora.
E
para registro, destaco o Editorial do New York Times, imparcial e preciso e que
claramente destaca a fragilidade de nossas instituições e regras de controle de
risco.
EDITORIAL N. Y. TIMES
https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/02/01/em-editorial-new-york-times-diz-que-brumadinho-deve-ser-licao-para-o-mundo/
(...)
Depois que o
Brasil não aprendeu a lição que deveria ter assimilado após a tragédia de
Mariana, em 2015, e deixou um novo desastre ocorrer em Brumadinho, um editorial
publicado pelo jornal americano The New York Times defende que o novo
rompimento de barreira sirva para o mundo inteiro aprender a tomar mais cuidado
com sua mineração. "A indústria global de mineração deve prestar atenção.
Está claro que a indústria precisa examinar de perto as barragens, estabelecer
padrões internacionais rígidos para a maneira como são construídas e inspecionadas
e estudar formas alternativas de descarte de seus resíduos", diz o
editorial. O título do texto de opinião do jornal chama de "negligên... –
Veja mais em:
https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/02/01/em-editorial-new-york-times-diz-que-brumadinho-deve-ser-licao-para-o-mundo/?cmpid=copiaecola
No Brasil,
auditores independentes verificam a segurança das barragens por meio de
inspeções regulares e análise de registros escritos. O problema, segundo
especialistas como Milanez e Luiz Jardim, professor de geografia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, é que as mineradoras escolhem e
contratam os auditores e fornecem toda a documentação que analisam.
E isso não mudou
nos três anos desde o desastre de Mariana, disse Jardim. No mínimo, a estrutura
regulatória do estado se tornou mais frouxa, uma vez que a queda nos preços das
commodities internacionais levou empresas de mineração a cortar custos, em
alguns casos levando-as a preencher barragens além da capacidade, reduzir
orçamentos de segurança e deixar de implementar sistemas de emergência. ,
disseram especialistas.
“Estes não são
eventos excepcionais. Barragens se rompem. Mais virá ”, disse Jardim. "Ou
o sistema de monitoramento é falho, ou as empresas descobriram como
contorná-lo."
(...)
Esse
vídeo da BAND NEWS no link abaixo deveria ser mostrado em todas as Câmaras
Municipais, Estaduais, sedes de Governos Estaduais e Federais, à exaustão, e
ser cobrado trimestralmente (ou em menos tempo) de todas as esferas políticas
um relatório de acompanhamento de gestão de obras dessa natureza, pois assim as
comunidades vizinhas à estes tipos de obras e empreendimentos não correriam o
risco de “depender de uma sirene” ou ter que aprender a caminhar e correr em
“pernas-de-pau” para fugirem de alguma nova catástrofe, que infelizmente não
estamos livres ainda.
Andarilhos dançarinos de Landes
em ‘passeio’ por Londres em Janeiro de 1937, divulgando a apresentação do
espetáculo no Albert Hall Theatre
Cidade de Mariana em 2015 em Minas Gerais
Barragem de Brumadinho antes da tragédia
Pastores de ovelhas de Landes, século XIX
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